Nossa Senhora da Rocha

Nossa Senhora da Rocha, Armação de Pêra, Silves, Algarve
"Tu não estás como Vitória à proa 
Nem abres no extremo do promontório as tuas asas 
Nem caminhas descalça nos teus pátios quadrados e caiados 
Nem desdobras o teu manto na escultura do vento 
Nem ofereces o teu ombro à seta da luz pura 

Mas no extremo do promontório 
Em tua pequena capela rouca de silêncio 
Imóvel, muda inclinas sobre a prece 
O teu rosto feito de madeira e pintado como um barco 

O reino dos antigos deuses não resgatou a morte 
E buscamos um deus que vença connosco a nossa morte 
É por isso que tu estás em prece até ao fim do mundo 
Pois sabes que nós caminhamos nos cadafalsos do tempo

Tu sabes que para nós existe sempre 
O instante em que se quebra a aliança do homem com as coisas 
Os deuses de mármore afundam-se no mar 
Homens e barcos pressentem o naufrágio 

E por isso não caminhas cá fora com o vento 
No grande espaço liso da luz branca 
Nem habitas no centro da exaltação marinha 
O antigo círculo dos deuses deslumbrados 

Mas rodeada pela cal dos pátios e dos muros 
Assaltada pelo clamor do mar e a vemência do vento 
Inclinas o teu rosto 

Imóvel muda atenta como antena" - Sophia de Mello Breyner Andresen

Comentários